Sento-me e ao meu lado vejo um quadro branco. Grande amigo que só vim a conhecer no ano que ainda corre. Amigo de inusitada paciência, que me permite falar sobre as ideias que me vêm à oscilante mente. Amigo de poderosa memória, que guarda com impressionante fidelidade os registros que a ele escolho contar. Somente estes.
Escolho contar o que não deve ser transiente. Aquilo que, por vontade minha ou de outrém, não pode correr o risco do esquecimento. Ou o que é tão belo que desejo rever a cada nova manhã que tenho a oportunidade de viver. Por me oferecer apenas limitado espaço, frequentemente prefiro apenas o registro do belo, do que inspira, do sorriso gratuito ao qual cada ser humano tem direito nos sete dias da semana. Direito desconhecido para muitos, é certo; faço questão de exercer o meu. Registros utilitários disputam apenas o parco espaço que sobra.
Meu amigo supre a falta de uma memória melhor. Se passo um dia sem inspiração, é ele quem me lembra de que o dia seguinte não poderá repetir as mesmas horas vazias. Se me esqueço de um objetivo, ele estará lá, com a mesma calma de sempre, me ditando os próximos passos tal qual incansável mestre. E se meu problema não for lembrar do visto, mas construir o não-visto, ainda assim ele me ajudaria com uma conversa feita em línguas que a amizade foi capaz de construir ao longo de poucos meses.
Mas, meu amigo, há uma verdade que devo confessar-te. A esta altura, já deves saber que não te conto tudo. A mente humana é falha. Se perde nos detalhes. Se esquece do que não devia, e às vezes se lembra do que deveria ter sido esquecido. Mas o que é verdadeiramente essencial... ah, meu amigo, isto a minha memória, por mais humana que seja, dispensa qualquer ajuda para, com o máximo zelo, guardar por toda a minha existência.